terça-feira, junho 28, 2011

humor puro ou tiradas filosóficas... aos 14


A caminho de um fim de semana cinco estrelas:
"Mãe, trouxeste o protector solar? É que ainda tenho a pele imaculada como um duque..."

A caminho do resort cinco estrelas (depois de passar a entrada de um hotel fabuloso) :
"Já chegamos? Eu vejo tanta coisa boa, tanta coisa boa e tu sempre a andar, sempre a andar... Vais-nos meter num barraquinho, não?"

À hora de jantar num requintado restaurante onde imperava a gula e a boa comida:
"Eu acho que o ser humano devia nascer sem paladar. Nós não merecemos ter prazer, senão andamos sempre à procura disto..."

Quando foi atendido soberbamente pela recepcionista do hotel, que disse que teriam muito gosto que ele usasse o spa o tempo que quisesse:
"Viste como a menina regozijava a falar connosco? Isto tudo é um regozijo!!!"

(Que belo presente de final de ano! E bem merecido!)

memórias de uma noite iluminada


Noite morna e repleta de luz... Manjerico a perfumar o ar... O som do motor a cruzar as águas calmas do rio e o rio (chamado de Douro) brilhava dourado mais do que nas outras noites.... As pessoas aglomeravam-se nas margens e o espectáculo começou à hora prevista, como acontece todos os anos...
E aconteceu a noite de S. João mais iluminada de sempre, com o fogo no Rio em reflexos e golpes de luz e som a encher os céus da cidade e as almas de pasmo e os sonhos de adolescente e os sonhos de futuro e o riso a soltar-se na garganta e a música a encher a noite e a noite a encher-se de nós e de todos os que desceram o rio para ver o ribombar do fogo em cascata, formando milhões de estrelas cadentes repletas de cores de arco-íris por dentro a explodir por fora em arcos e tochas de luz imensa...

quarta-feira, junho 22, 2011

Carta à avó, por José Saramago

A carta de Saramago à sua avó


"Tens noventa anos. És velha, dolorida. Dizes-me que foste a mais bela rapariga do teu tempo – e eu acredito. Não sabes ler. Tens as mãos grossas e deformadas, os pés encortiçados. Carregaste à cabeça toneladas de restolho e lenha, albufeiras de água. Viste nascer o sol todos os dias. De todo o pão que amassaste se faria um banquete universal. Criaste pessoas e gado, meteste os bácoros na tua própria cama quando o frio ameaçava gelá-los. Contaste-me histórias de aparições e lobisomens, velhas questões de família, um crime de morte. Trave da tua casa, lume da tua lareira – sete vezes engravidaste, sete vezes deste à luz.
Não sabes nada do mundo. Não entendes de política, nem de economia, nem de literatura, nem de filosofia, nem de religião. Herdaste umas centenas de palavras práticas, um vocabulário elementar. Com isto viveste e vais vivendo. És sensível às catástrofes e também aos casos de rua, aos casamentos de princesas e ao roubo dos coelhos da vizinha. Tens grandes ódios por motivos de que já perdeste a lembrança, grandes dedicações que assentam em coisa nenhuma. Vives. Para ti, a palavra Vietname é apenas um som bárbaro que não condiz com o teu círculo de légua e meia de raio. Da fome sabes alguma coisa: já viste uma bandeira negra içada na torre da igreja. (Contaste-me tu, ou terei sonhado que o contavas?) Transportas contigo o teu pequeno casulo de interesses. E, no entanto, tens os olhos claros e és alegre. O teu riso é como um foguete de cores. Como tu, não vi rir ninguém.
Estou diante de ti, e não entendo. Sou da tua carne e do teu sangue, mas não entendo. Vieste a este mundo e não curaste de saber o que é o mundo. Chegas ao fim da vida, e o mundo ainda é, para ti, o que era quando nasceste: uma interrogação, um mistério inacessível, uma coisa que não faz parte da tua herança: quinhentas palavras, um quintal a que em cinco minutos se dá a volta, uma casa de telha-vã e chão de barro. Aperto a tua mão calosa, passo a minha mão pela tua face enrijada e pelos teus cabelos brancos, partidos pelo peso dos carregos – e continuo a não entender. Foste bela, dizes, e bem vejo que és inteligente. Por que foi então que te roubaram o mundo? Mas disto talvez entenda eu, e dir-te-ia o como, o porquê e o quando se soubesse escolher das minhas inumeráveis palavras as que tu pudesses compreender. Já não vale a pena. O mundo continuará sem ti – e sem mim. Não teremos dito um ao outro o que mais importava.
Não teremos realmente? Eu não te terei dado, porque as minhas palavras não são as tuas, o mundo que te era devido. Fico com esta culpa de que me não acusas – e isso ainda é pior. Mas porquê, avó, porque te sentas tu na soleira da tua porta, aberta para a noite estrelada e imensa, para o céu de que nada sabes e por onde nunca viajarás, para o silêncio dos campos e das árvores assombradas, e dizes, com a tranquila serenidade dos teus noventa anos e o fogo da tua adolescência nunca perdida: “O mundo é tão bonito, e eu tenho tanta pena de morrer!”.
É isto que eu não entendo – mas a culpa não é tua".

quarta-feira, junho 01, 2011

Um dia alguém escreveu assim


Na oportunidade de estar aqui
O meu olhar encontra-te
E demora
A olhar-te,
A olhar para ti.

De um lado para o outro,
Percorrendo o teu rosto,
Agarrando-se a cada bocadinho de ti,
Como numa falésia feita do teu rosto
Numa escarpa feita de ti,
O meu olhar agarra-se à tua imagem
Para se prender
E não cair.

Depois procura o teu olhar
Para mostrar que te olha
E ficar a olhar ainda mais um pouco para ti.

Nesta oportunidade de estar aqui
O meu olhar leva consigo
A esperança e a gratidão
De estar contigo.