Há cerca de quase dez anos atrás conversávamos sobre o sentido da
vida. Fazíamos isso muitas vezes. Tu, numa febre de procura interior e de
aparente serenidade exterior, deste-me uma lição que só há pouco tempo comecei
a entender. É verdade, demorei quase dez anos a perceber o alcance do que
disseste naquele dia. Por alguma razão, essas palavras permaneceram na minha
memória, ou porque me chocaram e confundiram, ou porque ainda não era o tempo
para mim, ainda não era o dia de eu as entender.
“Qual é o teu objectivo na vida?”, perguntei, a dada altura da nossa acalorada
conversa, uma conversa em que eu contestava mal disfarçadamente a tua
passividade, referindo-me aos projectos de trabalho e pessoais, matérias que
assaltam o espírito de qualquer adulto na faixa etária dos 30. Nessa altura, eu
queria mostrar-te que não podemos ficar parados, acomodados com o que temos,
que devemos lutar por conseguir mais, ter mais do que, por exemplo, os nossos
pais conseguiram, chegar mais longe, subir mais alto.
Fizeste uma pausa, pensaste por um momento e, para minha perplexidade,
respondeste muito sério: “Ser sábio.”
Lembro-me que olhei para ti
incrédula e creio que soltei uma gargalhada. Não esperava essa resposta, como é
óbvio. Esperava que me falasses dos teus planos de carreira, das tuas ambições
profissionais, que me falasses dos teus desejos íntimos de ter uma família,
filhos ou, em vez disso, do teu desejo de aventura, de viajar e conhecer o
mundo. Mas não. O que me dizias tinha a ver com uma outra coisa que não me
tinha ocorrido então: falavas de espiritualidade e de auto-conhecimento. Esse
assunto, para mim nessa altura, era totalmente desconhecido.
Dou comigo, vários anos depois, a
recordar essa conversa e muitas outras tão ou mais interessantes que esta e
sinto que caminho uma década atrás de ti (ou mais que uma vida atrás de ti!),
que percebo a existência agora muito à luz do que me ensinaste, que vejo
através dos teus olhos a luz do mundo interior, da paz interior, da serenidade
que vem de estar bem consigo próprio, de vivermos felizes com o silêncio, com
os livros, com a música, com o escutar do nosso próprio coração a bater livre e
solto na escuridão da noite ou à primeira luz da manhã. Lembro-me que não
tinhas horários, que dormias e comias quando sentias que precisavas. Na altura,
isso era incompreensível para mim. Era como se fosses um selvagem civilizado…
Trabalhavas sem horário, sem chefe e sem objectivos. Hoje entendo que essa era
a tua magnífica forma de ser livre e feliz.
Anos mais tarde, procurei aquilo
que já tinhas encontrado muito mais cedo do que eu e, nesse caminho de procura,
li em livros o que me dizias e o que, afinal, vivias. Compreendi que o meu
objectivo na vida é…vivê-la com sabedoria! Mas isto já tu sabias há séculos!
(Que saudades das nossas conversas...!)