quinta-feira, maio 27, 2010

Acordo de noite subitamente ...


Acordo de noite subitamente,
E o meu relógio ocupa a noite toda.
Não sinto a Natureza lá fora.
O meu quarto é uma cousa escura com paredes vagamente brancas.
Lá fora há um sossego como se nada existisse.
Só o relógio prossegue o seu ruído.
E esta pequena cousa de engrenagens que está em cima da minha mesa
Abafa toda a existência da terra e do céu...
Quase que me perco a pensar o que isto significa,
Mas estaco, e sinto-me sorrir na noite com os cantos da boca,
Porque a única cousa que o meu relógio simboliza ou significa
Enchendo com a sua pequenez a noite enorme
É a curiosa sensação de encher a noite enorme
Com a sua pequenez...
Alberto Caeiro, in "O Guardador de Rebanhos - Poema XLIV



2 comentários:

António disse...

Com pouco muito podemos fazer...assim como com muito nada podemos ter.
Beijo com carinho

Anónimo disse...

o som do relógio a meio da noite, enche a noite e a alma de uma certeza: estamos aqui. O som enche a noite no quarto e pressinto que me enche também a existência de uma vontade de existir para lá deste som, para lá destas paredes... o tempo não pára, o relógio não pára, a vida não pára... é preciso pôr o coração a bater com os segundos, com os minutos do relógio da vida...

beijinho na tua alma, Mimi!