segunda-feira, abril 25, 2011

a varanda


A varanda está agora carregada de vasos e é pequena, estreita e curta.
Quando eu era criança a varanda era alta, espaçosa, tinha três vasos de cada lado e parecia-me suficientemente grande para caberem lá todos os meus personagens imaginários. Num cobertor remendado e gasto, estendia os meus brinquedos: latas velhas que serviam de panelas e tachos, dois bonecos que eram os meus filhos, um carrinho desengonçado que levava os meus filhos a passear ao jardim e eu a dona daquele enorme império que vivia um dia a dia repleto de tarefas interessantíssimas: dar de comer aos filhos, lavá-los, brincar com eles, levá-los a passear e conversar com as amigas que não estavam ali, mas falavam comigo. As férias de Verão eram longas e serviam para tanta coisa... E depois havia o cheiro do jardim, da terra húmida depois de regada, do sol morno na tarde, das rosas da minha mãe e das flores do jardim das vizinhas.
Haviam jardins bonitos. Eu costumava roubar uma rosa do jardim da Dª Maria, quando regressava da escola ao fim da tarde. A única mulher do sítio a quem todos chamavam Dona tinha um enorme casarão e uma fábrica de móveis e pintava as unhas e os lábios de vermelho e tinha o cabelo claro ondulado, carregado de laca. Eu escolhia a rosa mais bonita, quase sempre vermelha, quase sempre a que estava mais longe. E tinha medo de ser apanhada, receava que me ralhassem se me apanhassem a roubar uma flor. Pensava que a Dª Maria estava à espreita do seu casarão por detrás das cortinas. Felizmente, nunca fui apanhada. Depois guardava a rosa até que ela murchasse e ficava com pena que aquela beleza fosse tão fugaz.
A varanda agora é a mesma. A paisagem das casas vizinhas é a mesma. Agora vejo tudo mais alto. Vejo as casas na encosta que antes não via. Há lá umas casas novas. Há uma miséria semelhante.
Agora a varanda parece mais pequena, mas na verdade não é. Os odores nesta tarde de Páscoa tranquila são os mesmos. As rosas continuam no jardim da minha mãe, viçosas e perfumadas. As da Dª Maria desapareceram e o terreno ficou a monte, coberto de mato. O casarão está abandonado e fechado, a fábrica de móveis encerrada, as janelas do edifício têm os vidros partidos e a tinta das paredes desbotada está já a descascar. A riqueza, como as rosas, também pode ser efémera…

3 comentários:

Claudia disse...

Confirmadissimo. A varanda agora parece mesmo muito pequena. Que tamanho teriamos nós? Ali havia espaço para tanta coisa. Até uma tenda conseguiamos improvisar:)
Tudo passa e também essa riqueza aqui referida um dia acabou. E os locais onde se exibia são agora iguais aos outros no alto do monte onde se continua a pobreza de sempre.
Beijo enorme.

Mimi disse...

"Estamos começados mas não estamos acabados..." seria com certeza o que a minha mãe diria se lesse este post!
Tudo é efémero nesta vida, e se num dia estamos na mó de cima nada garante essa permanência no dia seguinte.

Mimi disse...

P.S: Esqueci-me dos beijinhos !!