quarta-feira, maio 09, 2007

O que aconteceu

Presa num lençol abandonado, analiso os devaneios dos últimos momentos.
Emprestei aos meus sentidos um véu de cores, sabores e toques que me enlouqueceram. Só posso analisar o que aconteceu desta forma.
A cor desse olhar deteve-se no meu, apagado, desvanecido, deslavado, amarelado e traçou um caminho de pétalas esvoaçantes, perdidas ao vento, neuróticas, tresloucadas de tons quentes e mornos que enlevaram as minhas pupilas sedentas de horizonte e arco-íris.
O travo dessa boca agridoce tropeçou no rumor de sabor que saiu de mim, desgovernado, provocante e encantador, para deliciar momentos perdidos e tentadores.
O toque urgente dessa mão superou o receio inicial e entregou-se ao veludo perplexo do aconchego interior, que inaugurou o momento sublime do encontro alucinado.
Alucinação e loucura. Foi o que foi. Porque não te mexeste, não me olhaste, não me sorriste, não me tocaste. A mim é que me pareceu que sim. Para mim tudo foi real, porque padeço, enfim, de uma doença tremenda, avassaladora e, para o sujeito que a carrega, inaceitável e jamais reconhecida: a loucura.
Claro, só posso estar louca, só posso ter estado demente por longos momentos, pois nada restou de ti que prove ao meu espírito lúcido que foste real. Não sei como cristalizei na fugacidade do instante as sensações que me invadiram a aridez da alma e dos sentidos. Parece-me, agora, que isso só aconteceu porque ensandeci involuntária e temporariamente.
De regresso ao mundo insólito e objectivo, pude perceber que nunca exististe senão na minha mente cansada e deprimente.
Porque a loucura pode ser um paliativo e um escape à vida sedimentada em regras e imposições, constrangimentos e cadeados.
Dizem-me que libertar-me dessas regras, isso sim, seria uma verdadeira loucura. Porém, eu imagino que viver com elas a aprisionar-nos a alma é que nos tornará patetas acomodados e estéreis a fingirmo-nos de felizes, resignados com a ordem das coisas e com a mediocridade da lucidez.

2 comentários:

Alexandre disse...

Jogas com as palavras em toques de magia. Ganham vida, viajam pelos sentimentos... Com um sorriso viajo pela tua loucura... O céu é o limite para alguém como tu.

CC disse...

"- As almas das poetisas são todas feitas de luz, como as dos astros: não ofuscam, iluminam...."

Ao longo do caminho que os meus olhos seguiram neste jardim de palavras, comecei a sentir ao de leve o que me pareceu ser o inconfundível aroma das palavras daquela mulher que embora misteriosa não me era completamente desconhecida, e a meio deste meu percurso abraçou-me a certeza de estar no jardim da Florbela Espanca!

Este, foi um falso abraço!

Abro a janela dos sentidos, e gentilmente deixo que o aroma siga para todo o espaço onde não sou eu, pois a sua essência rouba a minha atenção, passo pelo depósito de instrumentos delicados, e retiro um par óculos especiais, daqueles que os cegos usam quando realmente querem ver alguém, sinto que vou precisar deles.

Com um pensamento invoco aquele sentimento que me permite ficar do tamanho de um besouro, quero conseguir ver a textura de cada pétala, de cada flor que constitui este jardim.
Dou um forte impulso, e inicio o meu voo na direcção da personagem “presa no lençol..”, noto que tenho uma par de asas extra, intrigado, procuro perceber de onde surgiram… é claro, é obvio, só podia ser é a minha querida loucura a fazer das suas, pois a verdade é que sem ela, não teria asas, não tinha o tamanho de um besouro e definitivamente não conseguiria ver um jardim nesta combinação bem ordenada de palavras duras como a pedra e ao mesmo tempo leves como pétalas!

Sobrevoo o “apagado”, circundo o “desvanecido”, rodopio entre o “deslavado “ e o “amarelado” , e por mais que aumente a definição destes meus óculos mágicos, não consigo encontrar qualquer semelhança com o olhar da mulher do lençol que eu conheço. Estranho! Serei eu total e completamente pitosga, ou será este mais um daqueles casos em que o poeta afirmou: “O amor é como o perfume, quem o tem não o sente, sente-o quem se aproxima”! Poderá a luz de um olhar iluminar a expressão dos que o contemplam e ofuscar quem o carrega? Não conseguirá esse olhar pelo menos ver a sua luz reflectida nas expressões que contempla!?

Quase sem precisar de bater as asas, levito ligeiramente acima do “Para mim tudo foi real”!

Sim, esta é uma rosa bem conhecida, não só pela mulher do lençol, não só por mim, mas por todos aqueles que se atreveram a procurar o perfume daquelas rosas que trazem resplendor à luz do próprio olhar, a todos aqueles que ao entregarem o seu ser desprovido de protecções à essência do aroma o abraçaram com ternura, esquecendo-se dos seus espinhos.

É com recorrência que invocamos a loucura para justificar os espinhos que resultaram de um abraço que foi dado num determinado instante com a vontade e certeza de que nada é mais importante do que esse abraço. Um pensamento parece acalmar as minhas inquietudes: Por vezes somos o Abraço, e por vezes somos a Rosa, o Aroma e também os Espinhos! Por vezes somos o sonho, e por vezes somos o irreal do sonho de alguém! Independentemente do que somos a cada instante, de algo estou certo, por vezes somos o espinho e por vezes somos a gota de sangue que brotou do beijo a esse espinho!

Ao aproximar-me do fim do jardim, não resisto a ir dar um bem disposto “olá” ao ramo que flores onde habitam as “regras”. Conversamos um pouco, trocamos algumas anedotas, e ri-mos bastante da semelhança das nossas idiossincrasias, eu gozo com elas ao dizer-lhe que aos primeiros ventos mais fortes, elas são levadas para o infinito; perante fortes nevões pouco mais são do que cubos de gelo; e sem água pouco tempo resistem a um sol entusiástico. Concordando, contrapõem com uma simples observação: tu podes resistir a todos estas provas da natureza, no entanto basta um simples murmuro do coração e rapidamente te perdes no infinito, e tão depressa gelas como te extingues em chamas! Sim, regras são como flores dispostas ao longo de um caminho, para indicar a direcção a seguir… em dias de calmaria!

De bom grado te oferecia os meus “óculos mágicos”, mas sei que não precisas pois deves simplesmente estar num dia mais nublado! Facilmente a clareza da tua visão vai voltar a ti.

Abraço para a rosa presa no lençol!
CC