sexta-feira, maio 20, 2011

não gosto dele


“Sabe, professora, a Joana gosta de mim. Enviou-me uma carta. Quer namorar comigo. Mas eu não quero…!”, disse baixinho, a sorrir de lado, quando me aproximei da mesa dele. Baixei-me, fingindo estar a conferir o exercício que ele estava a fazer.
“Porquê, João? Não gostas dela? Olha que ela é muito bonita!...”
“Pois é, mas não quero. Viu como ela olhou agora para mim quando se virou para trás?” Miúdo perspicaz… Sim, eu vi, sorriu mais um bocadinho quando se voltou para entregar a borracha à colega e olhou de raspão para o João. Mas o João não devia estar a falar verdade, porque ficou triste de repente.
Dez anitos de paixão intensa. Irrequieto, traquina, brincalhão, inteligente.
“Professora, não gosto que me mexa nas orelhas e no cabelo quando passa por aqui.”, disse enervado.
“E eu não gosto de te mandar calar e de tu continuares na brincadeira.”
Olhou fixamente para mim e disse baixinho: “Sabe, professora, ela não gosta de mim. Eu é que lhe enviei um bilhete ontem e ela respondeu que não queria namorar comigo.” Agora sim, ele falava verdade. Moreno, intensos olhos negros por detrás dos óculos, bonito. E ela morena também, de olhos verdes e cabelos cor de mel. E baixou os olhitos.
“Queres que fale com ela?”, perguntei.
“Vá lá. Diga-lhe que gosto dela… Se ela não me quiser, quero lá saber… Olha, ela é que perde… Vá lá, professora. Diga-lhe que namore comigo… Se ela não quiser… quero lá saber…” Repetiu. E enterrou-se na cadeira, quase a fazer beicinho.
A distracção dele, ultimamente, tinha sido por causa dela. Não passava os exercícios do quadro. Atrasava-se a passar as matérias. Alguns minutos antes rasgara uma folha do caderno. Fui ter com ele e tirei-lha. Mandei-o fazer os exercícios do livro. Depois percebi que deveria querer escrever qualquer coisa para lhe enviar… Fui falar com a Joana.
“Não gosto dele, tenho pena, mas não gosto dele. Ele escreveu-me um bilhete e eu tive de lhe dizer que não queria namorar com ele, porque não gosto dele. Tenho pena dele, mas que posso fazer?” Sorri para dentro, tão nova e já sabia o que custava fazer sofrer alguém... Claro, o que poderia ela fazer senão dizer-lhe a verdade e destroçar-lhe o coração com toda a sinceridade… aos dez anos de idade?

1 comentário:

Mimi disse...

Gosto dessa menina... Genuína!
Começo a achar alunas como a tua estão em vias de extinção :o)

Beijinhos