domingo, fevereiro 20, 2011

o professor de música, o amigo da amiga e o desconhecido


Ela chegou em cima da hora, como de costume. Os passos apressados não enganavam…
O professor de música subiu as escadas atrás dela, correndo um pouco para a acompanhar. Pediu desculpa por ousar dirigir-se a ela. E depois, tossindo, titubeou:
“Desculpe, mas tinha de lhe falar. Não me conhece, eu sei, não me interprete mal, mas vejo-a sempre à quinta-feira a subir estas escadas e precisava de lhe dizer isso. Que a vejo a subir as escadas, assim, apressada e que… gostaria de lhe perguntar o nome.”
Com ar incomodado, olhando de lado e continuando a andar, ela responde:
“Porque quer saber?... Dá aulas cá? Nunca o vi por cá… É um professor novo, talvez, não conheço muitos dos professores novos…”
E parou. Algo nos seus olhos verdes a fez parar. Ele baixou os olhos, talvez para esconder a alma.
“Sou professor de música, mas não aqui. Venho cá dar as aulas para os alunos do Conservatório não terem de se deslocar e para facilitar o horário deles.”
Ela disse que estava atrasada, mais atrasada ainda do que há dois minutos atrás e sorriu-lhe.
“Falamos melhor na próxima quinta-feira.” E atirou-lhe o nome pelo ar, correndo pelo corredor, deixando-o para trás a sorrir também.

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Via-o raramente. Ele trabalhava na capital e não vinha a casa todos os fins-de-semana. Era amigo de uma amiga e saíam todos juntos de vez em quando. Falava pouco e ela não gostava disso. Não a atraíam homens calados, tímidos, hesitantes, parcos em palavras. Ela provocava-o com as palavras e ele sorria, mas não respondia.
Naquela noite ele estava particularmente atraente e a camisa azul claro, semi-aberta, deixava adivinhar um corpo bem torneado por horas de ginásio.
O que as palavras não diziam, pareciam dizer os seus olhos. Olhava insistentemente para ela, semi-cerrava os olhos e fazia um sorriso estranho, como que a enviar uma mensagem subtil de agrado. Olhou-a de alto a baixo, descaradamente, e acenou a cabeça. Talvez fosse desta que dissesse mais de duas frases com três palavras seguidas.
“Esse vestido fica-te bem. Revelador e discreto ao mesmo tempo. Vestes poucos vestidos e, afinal, ficam-te bem. Tens de deixar as calças de ganga mais vezes no armário… É uma pena encobrires o que é um deleite para os olhos.”
Revelador? Revelador era o testamento que ele acabara de dizer… Nunca tinha pronunciado tantos fonemas de uma só vez. E falava-lhe de roupa de forma atrevida… E comentava o que ela vestia. Jamais imaginara que ele tinha opinião sobre roupa. Ficou a saber, portanto, que ele apreciava pernas e as dela em particular. E sem saber bem porquê, começou a achá-lo um homem muito interessante…

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Os dias passavam obscuros, sombrios, pesados, enegrecidos pela falta de sol, que quase sempre lhe trazia falta de oxigénio e de alegria.
Em dias como esses, não tinha grande vontade de acordar para a vida, nem de se arranjar muito. Era um esforço enorme, esse que fazia, para não se deixar arrastar para a tristeza, para a depressão.
Detestava o que tinha de fazer nessa manhã: as compras para a semana. Faltavam tantas coisas em casa, por isso tinha mesmo de ir, ainda que chovesse. Saiu.
O semáforo estava vermelho e o carro da frente parara. Apeteceu-lhe ouvir música para animar um pouco. Olhou para o retrovisor esquerdo do carro da frente e percebeu que o condutor a olhava intensamente. Sentiu algum desconforto e parou de cantarolar a música que estava a passar na rádio.
O semáforo ficou verde e o carro da frente avançou devagar. Chegando ao parque do supermercado, ele seguiu em frente e ela deu o pisca e virou à direita. Respirou de alívio e estacionou. Entrou no supermercado e saiu depois, passado meia hora. Quando se aproximou do carro, viu um papel dobrado, metido no limpa-vidros. As palavras que leu estavam escritas com uma caligrafia meticulosa, perfeita, longa e bem delineada.
“Um dia ganharei coragem para lhe falar. Vejo-a muitas vezes na cidade, cruzamo-nos, mas nunca me olha. Hoje viu-me e eu vi-a, como de costume. A única diferença é que desta vez senti que me viu também, não fui transparente. Provavelmente estarei a assustá-la, mas não é minha intenção fazê-lo. Queria apenas dizer-lhe que estou aqui e que a vejo como uma luz, aquela luz que falta aos dias chuvosos de inverno.”

4 comentários:

Claudia disse...

Ai, ai... afinal sempre tens razão quando dizes: "eu sei lá se quando sair à rua para ir ao supermercado não vou encontrar o principe encantado?".
Com estas experiências o mais provável é encontrares tantos principes que não te decidas a escolher. Ahahaha

Mimi disse...

É sempre um prazer ler-te Filipa... Mesmo!
Venham de lá esses desconhecidos :D

beijinhos !

Anónimo disse...

Com mais de 1300 amigos no face e com esses "encontros imediatos" não entendo como ainda não encontraste o tal principe!... vá venham lá os desconhecidos :)

Anónimo disse...

É desta pois. Força nas 5ªs com o professor de musica de olhos verdes ou com o amigo da amiga ou simplesmente com o desconhecido...uffa um deles força! lolol
beijinhos