quarta-feira, fevereiro 09, 2011

silêncio


Ela decidira não falar mais, nao dizer mais nada, não explicar coisa alguma.
Ele entendera que tudo estava perdido ou guardado, para sempre, na memória comum que os unira um dia.
Ambos perceberam que era tempo de viajar até outras conversas que se fizessem com entusiasmo e paixão, conversas que tirassem o sono, ou que adormecessem num abraço. Conversas outras que tivessem alma e entrega e cumplicidade e terra fértil por dentro.
Acabaram os lugares deles, as canções deles, as palavras deles.
Ficou o silêncio estéril.
Ficou o silêncio como um luto eterno.
Só o silêncio diz a alma deserta.

5 comentários:

Mimi disse...

"Já gastámos as palavras pela rua, meu amor,
e o que nos ficou não chega
para afastar o frio de quatro paredes.
Gastámos tudo menos o silêncio.
Gastámos os olhos com o sal das lágrimas,
gastámos as mãos à força de as apertarmos,
gastámos o relógio e as pedras das esquinas
em esperas inúteis.

Meto as mãos nas algibeiras e não encontro nada.
Antigamente tínhamos tanto para dar um ao outro;
era como se todas as coisas fossem minhas:
quanto mais te dava mais tinha para te dar.
Às vezes tu dizias: os teus olhos são peixes verdes.
E eu acreditava.
Acreditava,
porque ao teu lado
todas as coisas eram possíveis.

Mas isso era no tempo dos segredos,
era no tempo em que o teu corpo era um aquário,
era no tempo em que os meus olhos
eram realmente peixes verdes.
Hoje são apenas os meus olhos.
É pouco mas é verdade,
uns olhos como todos os outros.

Já gastámos as palavras.
Quando agora digo: meu amor,
já não se passa absolutamente nada.
E no entanto, antes das palavras gastas,
tenho a certeza
de que todas as coisas estremeciam
só de murmurar o teu nome
no silêncio do meu coração.

Não temos já nada para dar.
Dentro de ti
não há nada que me peça água.
O passado é inútil como um trapo.
E já te disse: as palavras estão gastas.

Adeus."

Eugénio de Andrade

Anónimo disse...

um dos meus poemas de culto de Eugénio de Andrade, o poeta do amor...

Tão belo que adorava ter sido eu a escrevê-lo...
Mas se fosse, seria desconhecido, assim, ainda bem que foi E.Andrade para que o mundo conheça tamanha beleza...

quando as palavras ficam gastas, resta a alma em silêncio...

António disse...

Por vezes uma alma em silêncio diz mais que palavras gastas...
Beijinho

Anónimo disse...

A porta fechou-se contigo
Levaste na noite o meu chão
E agora neste quarto vazio
Não sei que outras sombras virão
E alguém ao longe me diz

Há um perfume que ficou na escada
E na TV o teu canal está aberto
Desenhos de corpos na cama fechada
São um mapa de um passado deserto
Eu sei que houve um tempo em que tu e eu
Fomos dois pássaros loucos
Voamos pelas ruas que fizemos céu
Somos a pele um do outro

Não desistas de mim
Não te percas agora
Não desistas de mim
A noite ainda demora

Ainda sei de cor o teu ventre
E o vestido rasgado de encanto
A luz da manhã e o teu corpo por dentro
E a pele na pele de quem se quer tanto

Não tenho mais segredos
Escondi-me nos teus dedos
Somos metades iguais
Mas hoje só hoje
Leva-me para onde vais
Que eu quero dizer-te

Não desistas de mim
Não te percas agora
Não desistas de mim
A noite ainda demora

E não desistas de mim
Não te percas agora


Pedro Abrunhosa

GUILHOS disse...

admiro o Silêncio