sexta-feira, junho 20, 2008

Mais um dia...

Sentados no banco do jardim a conversar, a desfiar opiniões, lamentos, saudades, revoltas e angústias, os velhos ocupam-se com a companhia dos outros que também são seus iguais em condição.
As árvores frondosas agitam-se na brisa da tarde e as palavras saem quase sempre com emoção. Os netos são tão inteligentes, os filhos trabalham muito e não têm tempo para estar com eles, o governo que não quer saber deles nem de ninguém e só quer poder, os interesses dos mais ricos que são sempre acautelados e os dos mais pobres que são esquecidos, o futebol que não alimenta a vida a ninguém mas que se alimenta de paixões, a corrupção que inunda a sociedade, a economia, o desporto, o passado...
Os rostos enrugados, as mãos calejadas, os cabelos brancos, os ossos que doem e não deixam andar depressa, a doença que ainda não matou, mas perpetua o tormento... São estes os velhos que animadamente conversam e entretêm a vida, jogam cartas, lêem jornais, falam do presente e do passado...
O passado surge sempre, ora lembrado com saudade e nostalgia, ora referido com olhos humedecidos pela tristeza. O filho que está no estrangeiro há tantos anos, a mulher que já morreu, as dificuldades dos tempos de juventude e início de casado, a profissão que levou o melhor de si, o lazer que não havia, o descanso que era pouco...
E agora?... Agora a reforma que mal chega para a comida e para os medicamentos...
E agora?... Agora o tempo que passa devagar, tão devagar que cada dia tem vinte e quatro pesadas horas e a dor da solidão e do abandono parece a condição para estar vivo.
Agora o Fonseca vai para casa. São já seis e meia e vai fazer a sopa. Não pode comer muito por isso a sopa faz parte de todas as refeições e à noite é só isso que lhe enche o estômago. Aprendeu a cozinhar sozinho, desenrascou-se, quando a mulher morreu com cancro, há muitos anos atrás. Agora, o Fonseca reza todas as noites pela mulher que já partiu e há dias em que fecha os olhos, quando já está deitado e esquece-se da idade, do tempo, da solidão e quase chega a sentir o cheiro dos cozinhados da sua Emília, a aletria (há quanto tempo não come aletria...) o calor do seu corpo a seu lado, a mão magra no seu braço, quando íam passear juntos ao Domingo à tarde...

2 comentários:

Anónimo disse...

Apetece-me comentar a ausência de comentários a este texto... Várias podem ter sido as razões para que tal tenha contecido: a velhice é algo que ainda vem longe, temos tempo para nos preocuparmos com isso; a velhice e a solidão são estados demasiado tristes,por isso não vamos pensar nisso agora; o assunto já foi e está demasiado "tratado" para se voltar a ele...

Anónimo disse...

Amiga,
O meu draft estava escrito já há vários dias, mas por vários motivos ainda não tinha chegado ao Acontece!
Passo a transcrever o que já tinha escrito:
“Tenho andado já há algum tempo para comentar este post, e hoje chegou finalmente o dia! :o)
Uma coisa que me assusta um pouco é a velhice, não pelo facto de perder beleza (o tal estigma do mulherio), mas sim por eventualmente tornar-me depende dos cuidados de terceiros … essa ideia sim, causa-me algum desconforto.
Para quem toda a vida teve uma vida activa, encarar a apatia que se transforma a vida das pessoas na terceira idade não é nada fácil.
Já nem me refiro ao facto de muitos deles mal conseguirem sobreviver com a parca reforma que recebem …”
Sabes qual é o problema em comentar alguns dos teus posts, Filipa?
É que são sempre tão bem escritos e com tanto conteúdo, que fico sempre a achar que qualquer comentário que se faça fica aquém daquilo que está escrito! :o)))))
Quanto ao facto de estar velha, não senhora! Como podes ver continuo fresca que nem uma alface !
Beijinhos !