domingo, fevereiro 08, 2009

Tangerinas

Em criança tive o privilégio de ter uma ama. Não fui para o jardim-de-infância, não tive uma educadora, não fiz actividades extra-curriculares. Não soube o que era brincar com plasticina ou pintar em guache, não tive lições de música, nem de natação. Muito menos de Inglês! Fui uma privilegiada! Corria pelo quintal da Sr.ª Linda, a minha ama de todas as horas, enquanto a minha mãe trabalhava, durante a semana e aos fins-de-semana. Brincava livremente na terra, com as plantas, com as flores, com as pedras, com os outros miúdos. Às vezes enfastiava-me, não ter nada para fazer, outras vezes sentia saudades da minha mãe, sobretudo ao domingo, se ela trabalhava e eu não podia estar em casa. Não eram saudades de brincar com ela, pois ela não brincava comigo. Não tinha tempo… Eram saudades da sua presença, do seu calor ali perto, da sua comida.
A casa da Sr.ª Linda era velha. Tinha o rés-do-chão e o primeiro andar. No rés-do-chão havia a sala de costura e as arrumações de tralha antiga, o local para as batatas, as cebolas, o vinho, as enxadas, as pás e outros utensílios para trabalhar a terra. Eu não ía muito para esses lados, atrás da casa. Cheirava a animais, a cães e a mosto. Porém, havia um terraço na frente da casa, com chão em lousa que aquecia no Verão ou nos dias curtos de sol de Inverno. Sentava-me no chão de lousa quente e sentia-me melhor… De tarde, lanchávamos na cozinha, cevada e pão com manteiga. Às quatro da tarde a Sra. Linda acendia a lareira na cozinha e punha a água a aquecer. A grande panela da sopa também já lá estava. Tudo era feito com tempo, sem correrias, sem pressas, sem horários apertados e asfixiantes. No tempo das tangerinas, a árvore em frente à casa, carregadinha, deixava cair algumas ao chão e eu, sentada no chão de lousa, descascava-as calmamente e comia as que me apeteciam.
Veio-me à memória tudo isto, porque na vila onde vivo agora, há um mercado municipal, o único sítio onde encontro dessas tangerinas… Não são clementinas artificiais, de casca fina, avermelhada, sem pevides e sem sabor. As tangerinas que a Dª Lurdes vende no mercado são tangerinas com sementes, de casca levemente alaranjada, que se solta facilmente dos gomos, cujo sabor a tangerina pura me remete sempre para a infância, para a casa da Sr.ª Linda e para o chão em lousa quente, numa tarde de sol de Inverno…

3 comentários:

Claudia disse...

Que privilégio o meu de te ter como mana e com esse dom para a escrita... É muito bom ver o registo das nossas memórias assim descrito!

Também me lembro dessas tangerinas e também me lembro de subir à árvore para mais uma aventura :)Sim, porque comer só se fosse debaixo de ameaças...
Sem dúvida que essas foras as melhores actividades extra curriculares que podia ter tido. Se naquele tempo houvesse infantário eu teria dado um tiro na cabeça porque fazer-me passar o tempo a pintar, desenhar ou fazer plasticinas seria tortura pela certa.
Ainda bem que havia a Srª Linda para me aturar e a quem eu dei tantas aflições!

Beijinhos

Anónimo disse...

A minha infância foi muito parecida a das crianças de hoje.
Fui criada com uma ama até aos 3 anos e fui depois para a “Maternel”, que é como quem diz para o infantário!
Ai passava o meu dia com a educadora e com as outras crianças, e gostei muito dessa fase da minha vida, guardo muito boas recordações desses tempos!
Devia ter uns 4 anos quando a educadora nos pediu para fazermos um desenho para colocar em cima dos cabides. O meu desenho era muito peculiar, porque era um boneco muito simples, tão simples que não tinha pescoço! Os braços saíam directamente da cabeça! Claro que para a minha irmã aquilo era um gozo, mas quando o meu pai viu o desenho achou-o lindo e eu fiquei toda contente :o))
Recordo com alguma nostalgia os tempos em que e minha mãe nos levava, a correr, para o infantário. Hoje revejo-me muitas vezes nessas correrias contra o tempo…
Lembro-me dos dias em que nevava muito e os portões do infantário estavam fechados porque a neve não permitia que ninguém passasse, mas também me recordo de caminhar com a minha mãe e com a minha irmã, por entre a neve, com aquelas botas lindas que me tinham comprado.
Sim, porque eu era “piquinina” mas vaidosa :o))
E recordo também a euforia que era quando a minha mãe ou o meu pai nos iam buscar a escola. Com o meu pai então era mesmo uma festa, porque não só ia menos vezes buscar-nos como quando ia levava-me geralmente as cavalitas.
Ai Filipa … os teus textos fazem-me por vezes viajar … e desta vez viajei para bem longe! Agora escrevia aqui a historia da minha vida !! :o))))
Mas como sou amiga, vou poupar-vos !!! :o))))))))))))))
Beijinhos !

Anónimo disse...

Querida Mimi,

Gostava tanto que contasses a história da tua vida!... Quem sabe, nós as três aos pouquinhos não o fazemos?... E tornamos este lugar, um lugar de viagens ao passado, ao futuro, ao presente, ainda mais belo e mais rico!

Adorei a tua viagem à infância!
Beijos


Cláudia,

Temos tanto para partilhar!
Mais coisas ficam prometidas para breve!...

;)
Love You!