segunda-feira, novembro 30, 2009

O que se vê e o que se é


"...Não se sabe quem vai, nem quem vem. A gente vê os corpos, mas não vê as almas que estão dentro. Há corpos de agora com almas de outrora. Corpo é vestido, alma é pessoa... Na feira da Roqueirinha quem sabe com quantos reis antigos se topa, quando se anda aos encontrões entre os vaqueiros... Em ruim corpo se esconde bom senhor!..."
Eça de Queiroz, in A Cidade e as Serras

sábado, novembro 21, 2009

We live with what we miss...

imagem retirada daqui

Vai deslizando o som quente da música no interior de mim e do automóvel. Prossigo viagem, seguindo a linha branca da estrada que se apresenta em frente, sempre em frente. Nem sei para onde sigo, sigo apenas a linha branca, o caminho é sempre em frente. E seguro na mão um olhar que vi a brilhar por dentro, a seduzir por fora, a brincar com o sorriso eterno de um dia eterno em que ainda não te vi, mas já conheço!

- O que trazes aí?
- Nada de especial, somente o coração que vou guardar na caixa de memórias!

We live with what we miss…
I miss the rain in Summer
I miss the sun in Winter
I miss the stars in the morning
I miss the sunshine at night…
I live to miss what I don’t have…

And I miss you
because you live in me…

sexta-feira, novembro 20, 2009

Desamor


é amor
esse amor cruel e desmedido
mas esse eu não quero
fica contigo
quero um amor doce e suave
que toca a alma e não apenas o corpo
esse, esse fica comigo
vai para o todo o lado não me abandona
abraça-me, acolhe-me e protege-me
suave e intenso como a estrada quente percorrida
esse vai comigo.

gritos que não dizem nada
esses não são para mim
não sentes que o coração que está na tua frente transborda pelos olhos?
vê como corre só para te ver, já que ter-te é impossivel
e não são os outros que não permitem
és tu que não o sentes.

errante caminho desalinhado
fortalecido pelas quedas e não esmorecido
com tantas palavras para se dizer
escolhes as que não fazem sentido
será que são as palavras ou serás tu mesmo?

nessa estrada sem direcção
caminhas determinado mas esqueces-te do coração
esse ficou comigo
encontra-se bem, cuidado, posso garantir-te
não o parto não o amachuco
mimo-o como parte preciosa de mim
e não deixo que nada de mal lhe aconteça
porque está junto do meu
lado a lado a conversar
um dia dir-te-ei como conversam

terça-feira, novembro 17, 2009

"Estrelinha"


Escreveu o nome dela numa estrela
na que estava mais perto da terra
aquela que é a primeira a aparecer no anoitecer
e ficou a olhá-la com o olhar enternecedor
abraçou-a e deixou o seu brilho espalhar-se por toda a terra até ao seu coração
uma companhia eterna para todos momentos
para aqueles em que a ausência do olhar faz demorar mais do que as horas do relógio
mais do que os dias do calendário
mais do que as estações do tempo que já não existe
para que nunca se sentisse só
pendurou-a na lua, a guardiã da noite, e com um laço macio de cetim ali a deixou.

sexta-feira, novembro 13, 2009

Seus olhos - Almeida Garrett

Apetece-me deixar entrar um clássico! Tão belo este poema eterno!


Seus Olhos

Seus olhos --- se eu sei pintar
O que os meus olhos cegou ---
Não tinham luz de brilhar.
Era chama de queimar;
E o fogo que a ateou
Vivaz, eterno, divino,
Como facho do Destino.

Divino, eterno! --- e suave
Ao mesmo tempo: mas grave
E de tão fatal poder,
Que, num só momento que a vi,
Queimar toda alma senti...
Nem ficou mais de meu ser,
Senão a cinza em que ardi.


Almeida Garrett

terça-feira, novembro 10, 2009

Porque existe sempre alguém que gostariamos de rever

Por te rever - Mafalda Veiga
"Pudesse eu guardar-te nos sentidos e na voz
E descobrir o que será de nós
E demorar um dia mais eternamente
Por te rever, só
Quisera a ternura, calmaria azul do mar
O riso o amor o gosto a sal o sol do olhar
E um lugar pra me espraiar eternamente
Por te rever, só
Pudesse eu ser tempo a respirar no teu abraço
Adormecer e abandonar-me de cansaço
Quisera assim perder-me em mim eternamente
Por te rever, só"

domingo, novembro 08, 2009

Choose love




Rita Redshoes

A carta

imagem retirada daqui


Ela fechou a carta que demorara a escrever. Pensara cada palavra, cada sílaba, cada vírgula. Pensara cada batimento de coração que havia de colocar dentro do envelope. Lembrou as suas mãos longas que tocavam Mr. Big numa noite qualquer há muitos anos, mãos tão jovens então, as mãos e os olhos que, como escreveu Lobo Antunes, eram duas “pedras escuras guardando dentro como que um sumo de amor” e também as mãos e os olhos dele ela guardou dentro do envelope. E enquanto ele tocava naquele tempo antigo de sonhos, ficava ela a olhá-lo a cantarolar e a acompanhar com a viola o som que vinha de dentro dela e também isso ela lá guardou no envelope, junto com a carta, junto com as palavras todas pesadas na balança da emoção inexplicável do passado feito presente. Ela também lá guardou esse tempo, esse passado em forma de sorrisos e disse-lhe que era altura de respirar de novo. Disse-lhe com letras, com frases, com sílabas que era altura de respirar de novo. Disse-lhe com vírgulas e muitas reticências e pontos finais e pontos de exclamação que a carta só seria aberta por ele, quando ele entendesse que era altura. É que, para ela, seria sempre o momento certo, porque para ela a viola tocaria sempre e as mãos dele seriam para sempre aquelas, longas e belas mãos que arranhavam as melodias a medo, a experimentar o som desconhecido, naquele tempo de lembranças. Ele tinha de saber que para ela era sempre tempo e que só dependia dele e que ela esperava, esperaria… Mas, por agora, tinha de fechar o envelope, tinha de enviar a carta, tinha de respirar de novo.
E de uma vez, sem pensar mais, ela fechou o envelope, colou-o bem colado, bem fechado ele ficou e a carta seguiu a sua longa viagem até ele e ela conseguiu,finalmente, respirar de novo.