quinta-feira, novembro 11, 2010

monólogos


Tímido, educado, cuidadoso.
Nem ele sabe bem explicar como é. Ela também não. Ocorrem-lhe estas palavras, mas parecem-lhe imperfeitas para o caracterizar. Sorri bastante quando fala com ela. Não é costume. É poupado em sorrisos. E avarento nas palavras. Ela enerva-se com isso. Ele diz que sofre de um problema com a tecla do “backspace”, o que o leva a hesitar, a apagar os registos quer escritos, quer falados. Volta atrás no pensamento, reformula, hesita de novo, escolhe as palavras mais uma vez, perscruta o olhar dela, reflecte de novo na escolha das palavras, tortura-se com a forma como as vai dizer. E ela aguarda. A paciência não é o seu forte. A impaciência lê-se nos olhos dela. Ele fala baixo, muito baixo. Por vezes ela não o entende. Esforça-se por ouvi-lo, mas ele não se apercebe.
“Whatever…”, diz para si mesma. “Fine…”, pensa às vezes. Ela pensa muitas vezes em Inglês. Deformação profissional. Discorre em Português e ele escuta. Por vezes ele diz coisas incompreensíveis.
“Lembro todas as roupas que ela usou, em todos os poucos encontros que tivemos.”
“Quando foi a última vez que se encontraram?”, pergunta alguém.
“ Há uns meses, mas posso dizer-lhe quantos dias passaram até hoje…”
Não fala de sentimentos. Diz que não gosta da solidão. Procura refúgio nos montes e corta sem piedade uma rosa do jardim para lhe entregar. Ela não entende, mas agradece.
Diz que falará, que lhe contará tudo. Ela não sabe o quê, nem do que é que ele está a falar. “Mas tem de ficar ao meu lado.” Outra frase incompreensível. Outro mistério. Oferece-lhe uma segunda rosa, num outro encontro fugaz; outra rosa impiedosamente cortada com a tesoura de poda do seu jardim. Diz-lhe que aquela tem um nome: chama-se rosa e ela não entende. Agradece-lhe várias coisas que ela não se apercebe de ter feito. Agradece-lhe estar melhor. E as gargalhadas que dá com ela. E ela fica feliz, porque ele sorri mais que habitualmente. E ele no fim diz “Obrigado.” E ela encolhe os ombros e pensa que nunca o entenderá. E ele diz que ela está diferente desde a última vez, o cabelo está diferente, mais encaracolado, mais comprido. Ela fica sem saber se ele gostou, se gosta mais, mas isso não parece importar. Ele pede-lhe para ela continuar assim. Ela não sabe bem como é que tem de continuar. Ela só sabe que ele fez um enorme poster com o rosto dela a sorrir, um poster a preto e branco, um retrato feito de números e ele diz que tem outro feito de palavras. Sempre o rosto dela a sorrir, para ele, para todos. Passaram dois meses, muitos dias sem vê-la. Ele diz que tinha de fazer alguma coisa. Ela dá uma gargalhada e diz-lhe que ficou confusa. Ele diz que não há confusão nenhuma, que o retrato é para lhe oferecer. E ela pensa que ele é um louco adorável e surpreendente e que nunca o entenderá.

1 comentário:

Claudia disse...

Há formas estranhas de demonstrar o afecto mas que não são por isso menos intensas e verdadeiras.
Ainda me falta tanto para conseguir compreendê-las.