segunda-feira, dezembro 13, 2010

conto de Natal... ainda


Na véspera de Natal, o presépio era o mesmo. As palhinhas da manjedoura onde o menino Jesus estava deitado também tinham sido coladas. Estavam a desprender-se. O pai colara-as nessa semana, enquanto as duas tinham ido arrancar musgo aos muros para arranjar o presépio. Depois, quiseram levar ao mesmo tempo o menino Jesus para a sala e durante a bulha, deixaram-no cair nas escadas. Dizem que o pai ralhou muito e lhes bateu. A mais velha não se lembra. A mais nova garante que foram umas palmadas pesadas. A mão do pai sempre foi de temer. Raramente batia, mas quando o fazia ninguém mais esquecia. Excepto, talvez, a filha mais velha que costuma esquecer quase tudo. Nunca mais voltaria a procurar musgo, depois de sair da casa dos pais. O presépio não voltaria a ter peças coladas e as luzes não estariam fundidas. Haveria de ser tudo diferente.
Na véspera de Natal, acordou cedo com o cheiro da comida adiantada. A mãe fora trabalhar e chegaria de noite. O pai trabalhava sempre, todos os dias do ano, excepto no dia de Natal e de Ano Novo, porque saía a seguir ao jantar para tocar as Boas Festas e regressava já quase a raiar o dia. Raramente tinham folgas, naquele tempo. A mãe deixava sempre o almoço feito, ou quase, antes de ir trabalhar, mesmo que tivesse de estar na paragem da camioneta às 7h da manhã. O cheiro a sopa, a calda para o arroz, véspera de Natal…
Ela costumava meter a roupa debaixo dos cobertores para a aquecer antes de se vestir. Mais tarde, a mãe compraria um aquecedor que ficaria no quarto das filhas para elas poderem estudar na cama, quando o frio era muito. Depois, quando o filho mais novo nascesse também teria um aquecedor. A filha mais velha não se lembra de haver um aquecedor no quarto nos pais.
Só tens de acrescentar o arroz e deixar cozer. O pai não vem almoçar. Mãe.”, dizia o recado escrito por ela, deixado em cima da mesa. Assinava sempre Mãe, nunca se entendeu porquê. Só a mãe escrevia recados, só tinham aquela mãe, só as filhas os liam, como poderia haver engano?…
Estava habituada a acabar de cozinhar as refeições e sabia que tinha de limpar a casa com a irmã, nesse dia. Afinal era Natal. Limpariam tudo e quando a mãe chegasse fariam rabanadas e formigos. O pai gostava de rabanadas de vinho e a mãe fazia sempre um prato à parte só para ele. Mais ninguém as comia. Agora a mãe já não faz rabanadas de vinho. Agora a mãe está reformada e tem tempo, mas não as faz. Faz os formigos que a filha mais velha pede e a mãe sabe que gosta. Agora a mãe só quer agradar aos filhos. Antes estava sempre triste e gostava também do pai. E a filha mais velha pedia baixinho ao menino Jesus, antes de dormir, para que a mãe não se zangasse e o pai não ameaçasse de bater.
A mãe chegou cansada, já de noite e o pai tardou em chegar, nesse dia também.

…continua…

2 comentários:

Mimi disse...

Guardo inúmeras lembranças dos meus natais de infância.
Lembranças e boas recordações.
Lembro-me de ter os meus 6/7 anos , viver ainda em França, e ver o meu pai e a minha mãe a amassarem as filhoses e de cantarem aquelas músicas da aldeia (era assim que eu catalogava as músicas deles :o)))

Ficavamos a porta da cozinha a vê-los e a rirmos feitas tolas :o)

Já em adulta a minha mãe todos os anos me dizia, que quando eu era pequena queria dormir com a cama cheia de brinquedos que recebia no
natal, porque tinha medo que os roubassem :o)))

E são estas e muitas recordações que neste natal me toldam este coração...


Beijinhos,

Claudia disse...

E assim cresciam e aprendiam que há coisas que só entendemos mais à frente.Deve ser por isso que não tenho saudades do passado. Estou sempre à espera do momento em que entenda o que está a acontecer :)

Beijinhos