segunda-feira, setembro 14, 2009

Portões imaginários


imagem retirada daqui

Quando era criança, a casa dos meus pais não tinha portões nem gradeamento no muro em volta. Começou por ser uma casa em pedra, pequena e rústica com um (para mim na altura, longo) pátio em cimento na frente e um pequeno quintal de lado. A toda a volta da casa havia (e ainda hoje há) um muro que servia de protecção e resguardo. Conta a minha mãe que, tinha eu cerca de dois ou três anos, e já falava como um papagaio. Dizia tudo explicadinho para quem me quisesse ouvir, respondia a todas as perguntas sem hesitações e era muito conversadora. (Todos estas características foram-se mantendo com a idade e enriquecendo até pelo meu jeito assertivo, que também foi ficando mais refinado, para dor de cabeça de muita gente!)
Conta a minha mãe (pois eu não me lembro) que, na casa velha, havia uma pequena janela que dava para o caminho. Diz ela que eu gostava muito de estar à janela (qual Carochinha desejosa de arranjar marido!) a ver a banda passar. Os transeuntes achavam imensa piada à garotinha que, debruçada na janela com dois anitos, ia dando conversa a quem passava. Como não haviam portões, a minha mãe não me deixava brincar no pátio sozinha, temendo que eu saísse para a rua.
“Porque não vens brincar cá para fora?” – perguntavam alguns.
“A minha mãe não deixa…”- respondia prontamente.
Naquela altura, a casa velha foi deitada abaixo e construída uma nova em seu lugar, mas manteve o mesmo pátio e o mesmo muro sem portões nem grades a toda a volta. As obras fizeram-se, mas não houve dinheiro para fazer tudo. Ficaram os portões por colocar até aos meus dezoito anos (se a memória não me falha, que para estas coisas de datas a minha irmã é melhor!).
Mas as ordens mantinham-se: não se pode ir para a rua. Só se brinca do muro para dentro. Para mim era uma ordem inabalável e era cumprida escrupulosamente. Para a minha irmã também. Já mais crescidinha, com quatro ou cinco anos, sentava-me ao fundo das escadas e as pessoas que passavam faziam a mesma pergunta:
“Porque não vens brincar cá para fora?”
“Não posso, a minha mãe não deixa…”
E a minha mãe ria-se e ainda hoje se ri por não haver necessidade de portões em nossa casa! Parecia que haviam uns portões imaginários que eu sabia não poder abrir… E ali me mantinha, dos muros para dentro, a brincar com a imaginação e a pairar nas nuvens como ainda agora costumo andar!
Actualmente também encontro portões imaginários e, tal como naquele tempo perdido da infância, mantenho-me do lado de cá, onde me diz a consciência que é onde se deve estar… Há lições que vêm do tempo em que se faz o carácter e se forma a personalidade e que não se perdem nas décadas nem no pó dos dias…


“existe uma linha que não podemos passar e não passamos”

5 comentários:

Anónimo disse...

gostei muito da moral do texto. considero-me como tu. tbm fui criada com muitas restrições e uma educação rígida, e hoje isso reflecte-se. como se não conseguimos ultrapassar esses limites que nos impunham nessa altura mesmo que agora já não exista, como se tivessemos criado barreiras contra o que fomos proibidos. :) **

Beatriz disse...

Gostei muito!
Beijinhos grandes!:)

Claudia disse...

Com ou sem barreiras físicas o que importa é que a lição foi bem aprendida! Mérito de quem a transmitiu e também de quem a aprendeu pois mesmo com pouquissima idade percebemos que tinham que além de confiar em quem nos ensinava havia sempre outra forma de deixarmos a mente passar para o outro lado... para onde quisessemos, bastava QUERER!

Mimi disse...

Muito bom post, como sempre! ;o)
É importante definir limites e adquirir a capacidade de construirmos as nossas próprias barreiras, imaginárias ou não imaginárias.
De um certo modo são essas mesmas barreiras, que constroem um pouco aquilo que somos ;o)

Beijinhos !

Trickster Soul disse...

Percebo o ideal que se pretende transmitir, mas não posso deixar de discordar com a mensagem.
"(...) onde me diz a consciência que é onde se deve estar (...)" - De forma alguma a consciência é castradora desta forma, a mente sim. Seguir a mente é seguir vários pré-conceitos que nos foram incutidos pela sociedade, logo agirmos por raciocínio e não por intuição não é o melhor caminho.
Não quero dizer com isto que o que nos foi transmitido seja completamente incorrecto ou que seja carregado de negatividade. Mas temos que ser nós a conhecer a vida e não a viver com base no conhecimento dos outros e acima de tudo temos que eliminar todos os limites, todos os portões, as linhas imaginárias que tenham sido inicialmente impostas.
O que eu quero dizer é que devemos ignorar as linhas e deixar-nos levar pela nossa intuição. Os maiores feitos da humanidade foram resultado de intuições, por isso, acreditemos nela.
Saltem a linha... até porque ela nem existe. Um novo mundo está à vossa espera. (Palavra de Indigo)