domingo, julho 12, 2009

O banjo do avô


O neto mais velho não consegue ligar a aparelhagem. O avô traz um CD na mão e diz que é para ouvir. “Tem umas peças que eu toquei no banjo e o Tone gravou em CD”. O avô não percebe nada de aparelhagens, nem computadores, nem CDs, mas trá-lo na mão e quer que os filhos e os netos o ouçam. A aparelhagem da sala não “lê” o CD. O avô não sabe porque é que isso acontece. Em casa do Tone tocava bem. O filho diz-lhe que põe o CD a tocar no computador. O avô não percebe porque é que agora o CD já toca, mas não faz mal… A música começa a tocar e as filhas conhecem-na bem, talvez mais que o filho mais novo, que, pertencendo a uma geração mais nova, não passou muitos serões a ouvir o pai tocar, refugiando-se no quarto com o computador e a TV ligados. A filha mais velha vem a correr, perseguindo o som familiar que ela sempre ouvira o pai tocar no banjo, o som inconfundível daquele banjo…
A mãe nunca gostou daquilo. Nunca deu valor à habilidade do pai para tocar qualquer instrumento de ouvido, sem ter qualquer conhecimento de música, sem saber ler nem escrever notas musicais. Aprendeu sozinho, tocando com os irmãos enquanto eram jovens. A filha mais velha traz uma pen na mão e diz ao irmão que quer aquele CD gravado para si. E diz para dentro que quer guardar aqueles sons para sempre, mesmo depois daquele banjo se silenciar, mesmo que tenha de ser, um dia, mesmo que ninguém mais saiba tocar assim como o avô… E diz para dentro que está feliz por poder trazer aquele som gravado em algo mais material que a sua memória, em algo que possa um dia mostrar ao seu filho e que possa ouvir sempre que lhe der as saudades de uns serões inocentes de tudo, da vida e das tristezas dos adultos.
E o som do banjo sobressai no meio dos outros instrumentos e o avô orgulhoso e com as faces coradas diz que aquele som é o melhor de todos e a filha mais velha diz que sim, que os outros instrumentos não se ouvem nada, que o banjo é que é bonito e a filha mais nova pensa para ela que aquilo não se deve perder, porque o neto mais pequeno também já tem jeito para a música e só tem quatro anos. E o avô fica contente, mais contente ainda porque as filhas querem levar a música naquilo, naquele pedacinho de plástico com um nome qualquer que não é disco… “Eu depois gravo num CD, pai!” E o avô ri, satisfeito, remexendo na gaveta onde guarda tesouros antigos: documentos caducados, papéis soltos, postais de aniversário oferecidos pelos filhos, pautas e livros de música muito velhos, amarelecidos pelo tempo, comidos pelos anos, onde se pode perceber que ele tentara aprender música sozinho, mas depois não pôde e tocava sempre assim, com os irmãos quando se juntavam e para os filhos quando eles nasceram.
E o banjo ficará, deste modo, na família, para sempre no ouvido e no coração e gravado agora num CD para que ninguém esqueça o avô artista, que aprendeu música sozinho e que tocava um banjo que tinha um som mais alto que todos os outros em seu redor!
"-Do you like music?
- Yes, more than food!" no filme, August Rush.

8 comentários:

Claudia disse...

Não consigo colocar em palavras o rol de sensações que ouvir este banjo tocar as musicas de sempre me provoca!
É uma mistura de tanta coisa mas que na sua essência se resume à alegria de viver e à força que daí me chega.
Olho para a vida do meu pai e vejo quase sempre dificuldades e mais dificuldades, no entanto encontro sempre a musica a acompanhá-lo...
Estas coisas tão únicas que vivemos são para mim um pedaço da magia da nossa unicidade e da certeza que mais ninguém no mundo pode ser igual a nós!
Quantas grandes maravilhas fazem parte dos nossos pequenos mundos!

Beatriz disse...

Gostei muito!!
Realmente a música é uma coisa fantástica que nos provoca sensações maravilhosas e que não conseguimos explicar!
Beijinhos muito grandes! :)

Claudia disse...

E neste meu pequeno mundo existe o meu maior tesouro... o meu filho que assim que ouviu a primeira música sorrio e disse: é oo vovô Pinto a tocar! Posso levar essa música para a escolinha?

Marianinha disse...

Que doçurinha :) Que família de Artistas!
Eu acho que a música deve ser das coisas que mais une corações, e estes corações todos unidos são a prova disso :)

beijinho enorme **

Mimi disse...

Ora ai está um instrumento que não conheço!
Em casa dos meus pais ninguém tocava nada, mas cantava-se e dançava-se muito :o)
Quando era pequena, e ainda vivia em França, os meus pais tinham o hábito de fazer filhoses no natal.
Acho que era uma forma de matarem saudades da terra natal.
E então enquanto a minha mãe amassava o meu pai cantava com ela.
Pena tenho eu, de tal como tu, não poder gravar esses momentos numa pen...

Beijinhos Grandes !

Claudia disse...

Ai Mimi que já me fartei de rir da forma como li o teu comentário... Eu li "os meus pais tinha o hábito de fazer filhos no Natal"!! Mas não voltei atrás e continuei..."Acho que era uma forma de matarem saudades da terra"... fui às lágrimas de tanto rir e só depois é que reli tudo e vi o que me tinha falhado!! Faltou-me ler as "oses" das filh(oses) :)

Filipa disse...

Cláudia, Claúdia
Não podes beber antes de vir ler o blogue!

lolololol

Fazer filhos para matar saudades da terra, é obra! E mais: a mãe amassa e o pai canta com ela!
lololol

Agora sou eu que me desmancho!
lololol

Mimi disse...

Quem de desmanchou agora fui eu!!!

Tu és uma mente depravada, essa é que é essa !!!! :o))))))))))

beijinhos !